Nesse dia decidiu por de lado a arrogância de que as coisas boas acabariam por vir ter ao seu sofá como sempre vinha acontecendo. Ultimamente e salvo episódios sem história, essas coisas boas já nem se assomavam à janela e muito menos ficavam para o serão.
Coisas boas suas, sim. Não a estabilização da mãe, os sucessivos nascimentos na família, os sucessos profissionais dos amigos. Tudo isso animava Estevão e o impulsionava para viver. Mas faltava alguma coisa, algo seu que impulsionasse os outros a viver.
Algo mais do que a promoção no fim do ano, a casa do Centro, a casa de fins-de-semana ou o apuro estético.
Todas as pessoas numa altura da vida terão sentido o mesmo. Pelo menos não seria difícil encontrar exemplos e segui-los. Aqueles que verdadeiramente fizeram alguma coisa mais do que ficar na diletância do algo tem de mudar e depois ficava tudo na mesma.
Mas o quê?
Estevão estava disponível para amar e queria amar mas não o conseguia fazer. Havia sempre qualquer coisa ou faltava qualquer coisa no outro. Na dúvida entre "amar" esse algo a mais ou a menos optava por não amar de todo, assim evitando arrependimentos do dia seguinte, que lhe pareciam pouco abonatórios para a pose de maturidade que entendia não dever sacrificar em nome da imagem junto dos outros.
Por outro lado, há muito tempo que não tinha um rasgo, um feito assinalável e já não se lembrava do último que tivera, mas apenas que o(s) tivera.
Muito pouco para 32 anos quando aos 20 já tivera tanto.
Ai se pudesse voltar atrás e fazer tudo o que nunca fez por motivos estritamente...formais. Que palavra, que motivo! Que desperdício!
Lera em Mário de Sá Carneiro, estampado e escarrapachado, sem formalidades, no que a sua vida se tornara. Ou seja, no que o próprio se tornara.
QUASI
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz ? Em vão ... Tudo esvaído
Num grande mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor ! - quasi vivido...
Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão...
Mas na minh´alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d' heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
(Esta história continua e há-de continuar)
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